Em pesquisa realizada para um trabalho acerca da obrigatoriedade de cobertura de terapias específicas no caso de crianças especiais, onde se destaca a demanda para cobertura da terapia ABA pelos planos de saúde para as crianças portadoras de Transtorno do Espectro Autista, li um trecho de Acórdão que considerei bastante interessante e que vem em total convergência com o que penso, que a seguir transcrevo:
Planos de saúde existem vários e com as mais diversas coberturas. E, obviamente, cada qual tem seu preço. Na medida em que, sob o apanágio do Código do Consumidor, se igualam, por força de decisões, os riscos assumidos, duas situações surgem, necessariamente. A primeira, direcionada à seguradora, a inviabilizar a atividade econômica. A segunda, direcionada a todos os consumidores, agravados no prêmio, pela verdadeira “socialização” dos eventuais prejuízos.
Permite-se antever, sem dificuldade, que será mais cômodo optar pelos planos de menor prêmio e depois buscar o afastamento das limitações. Ainda que moral ou eticamente sejam defensáveis esses posicionamentos, com eles o direito não se compadece. Na medida em que se despreza a autonomia da manifestação de vontade, cria-se a insegurança jurídica, desrespeita-se o ato jurídico perfeito e acabado (C.R., artigo 5º, inciso XXXVI). E nada, no estado de direito, é mais grave.
O Poder Judiciário não pode criar obrigações contratuais inexistentes. Pode e deve coibir o abuso do direito. Não o uso regular, dentro dos princípios constitucionais. Isso só se defere à própria lei. No caso dos autos, a cláusula que limita a cobertura à prestação direta da assistência médica na rede credenciada não apenas é lícita, sob a perspectiva consumerista, como nenhuma dúvida ou omissão suscita. [1]
Na linha do texto do Acórdão, entendo que as exclusões contratuais devem estar expressas nos referidos Contratos, e devem ser observadas pelo Poder Judiciário, uma vez que expressas e claras no instrumento contratual. Entendo também que o Contrato, ao se referir à cobertura contratual como sendo aquela expressa no Rol de Procedimentos e Eventos vigentes da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, deve ser observado e considerado pelo Judiciário, como vem sendo pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Por isso, a análise contratual e eventual reedição do contrato, prevendo expressamente o Rol da ANS, com o número da Resolução Normativa vigente, para que o consumidor saiba onde e como procurar seus direitos, seria o suficiente para dar clareza ao consumidor quanto a seus direitos e obrigações.
O que não se pode admitir é que as Operadoras sejam adstritas a seguir as normativas da ANS, inclusive quanto ao preço de seus planos de saúde, com todo um aspecto de cálculo atuarial para se chegar à viabilidade do plano, e quando se depara com o Judiciário, este deixa “cair por terra” todas as normativas, aplicando tão somente o Código de Defesa do Consumidor.
Não se pode enxergar o setor privado como substituto do Poder Público no que se refere à obrigação de “entregar saúde”. Na linha do Acórdão acima referido:
Nunca é demais ressaltar que a prestação ilimitada de assistência à saúde é dever do Estado, por expressa disposição constitucional (artigo 196, da Constituição Federal de 1988), e não dos particulares, no exercício da livre atividade econômica. Portanto, e se o Estado não cumpre como deve e deveria esse dever, certamente não é transferindo aos particulares esse ônus que as dificuldades serão superadas.
Nesta linha, é de suma importância que os consumidores entendam o que estão contratando e que isso seja expresso de forma clara e compreensível no instrumento contratual. Isso sendo feito, claramente está-se observando o Código do Consumidor em todos os direitos ali previstos. O que não se pode admitir é que toda a Regulamentação setorial seja desconsiderada pelo Poder Judiciário e este iguale a obrigação das Operadoras e Seguradoras de Planos de Saúde, que são regidas pelo Contrato, à obrigação do Poder Público de fornecer saúde a todos, de forma universal, prevista no texto constitucional.
[1] APELAÇÃO CÍVEL Nº 1009976-43.2020.8.26.0477.
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